Reflexões de Aline Bispo sobre novo álbum de Emicida e seu retorno às raízes 

Emicida Racional Vol. 2 – Mesmas Cores & Mesmos Valores nos convida a revisitar os quatro pretos mais perigosos da cidade — e também a reconhecer Emicida como fruto desse legado

09|12|2025

- Alterado em 09|12|2025

Por Aline Bispo

Escrevo hoje, do meu ateliê, ainda sob o impacto da audição do novo álbum de Emicida — que chega ao público nos próximos dias. Comecei a formular este texto mentalmente enquanto o ouvia falar sobre o disco na sala de cinema do Cine Marquise, na Avenida Paulista.

Aquela sala, que já me recebeu para cabines, pré-estreias e sessões escolhidas por mim, estava diferente. O palco, preenchido por vasos de arruda, poltronas ocupadas por profissionais da música e por pessoas como eu — profundas admiradoras do que a arte sonora é capaz de nos oferecer — criava um ambiente de acolhimento. Afinal, “Eles não vão entender o que são riscos, nem que nossos livros de histórias foram discos”, já canta Emicida em Ubuntu Freestyle. Foi ali que tivemos a honra de ouvir Leandro Roque falar sobre seu novo projeto.

Do nosso lugar na plateia, observávamos o fundo verde com o título “Emicida Racional Vol. 2 – Mesmas Cores & Mesmos Valores”. Antes que a audição começasse, o artista nos explicou que poderíamos escutar o álbum como quiséssemos, mas que sua proposta era que o vivêssemos como um filme. A partir dessa provocação, comecei a pensar sobre qual história ele — esse cronista que tanto nos ensina sobre sonhos — queria nos contar desta vez.

©Aline Bispo

O título e os fragmentos já revelados nas redes anunciavam a homenagem aos Racionais MC’s. Mas o disco também acolhe personagens fundamentais: Dona Jacira, sua mãe, que partiu em julho de 2025; DJ Nyack, parceiro de longa data; Amaro Freitas, com seus pianos; e o próprio Emicida, em múltiplas versões de si.

Enquanto meus olhos percorriam a tela e meus ouvidos absorviam cada faixa, sentia-me conectada ao Emicida do “antigo testamento”: o da energia improvisada, das madrugadas insones, dos versos que chegam primeiro como sensação antes de se tornarem palavras. Faixa após faixa, mergulhávamos nessas madrugadas que deram origem ao álbum. E, como o sol depois de noites difíceis, surgia a fotografia de Walter Firmo, mestre que assina as fotografias do projeto. Aos poucos, o escritório cheio de livros parecia indicar o lugar onde muitas das ideias que ouvíamos ali foram gestadas.

Emicida Racional Vol. 2 – Mesmas Cores & Mesmos Valores nos convida a revisitar os quatro pretos mais perigosos da cidade — e também a reconhecer Emicida como fruto desse legado. Suas diferentes facetas não se contradizem; se completam.

O Emicida cronista nos leva de volta às histórias do Jardim Fontalis, à busca pelo sonho e ao amadurecimento que chega sem fazer perder a essência. O Emicida amigo, pai e professor lembra que, como disse Gilberto Gil, “o melhor lugar do mundo é aqui e agora”. Em um mundo em constante transformação, ansiar pelo futuro ou se prender demais ao passado pode nos tirar do eixo. Surge também o Emicida nerd: original, curioso, atravessado por HQs, animes, jogos e livros — um entusiasta de muitos mundos possíveis.

Esse álbum, que não deseja se desprender do essencial apesar das mudanças naturais, nos inspira a olhar para nossas próprias transformações. Convida-nos a acolher contradições, a cuidar da nossa história e da história do outro.

©Aline Bispo

Ao final da audição, com o público de pé, Emicida foi amplamente aplaudido. Recebeu o abraço de uma plateia que, em um país polarizado, reconhece a importância de movimentos que reorganizam as estruturas internas — para que ninguém se perca.

Porque já sabemos: “Quando os caminhos se confundem, é necessário voltar ao começo.”

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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